Durante o dia, ela reserva os gritos aos filhos, que aprontam estripulias e reinações no carrossel da infância; à noite, tenta abafar os gemidos, cujos ecos arranham os azulejos de quartos alheios. Durante o dia, ela arruma as fronhas e lençóis, deixando à mostra sua alma cheia de ternura; à noite, despe a pele que lhe cobre e veste sua melhor versão para, então, bagunçar outras camas. Durante o dia, o mundo se abre através de uma janela e da lâmpada incandescente que pende do teto; à noite, ela se perde em luzes de neon, sufocada por uma aura mística e enigmática.
Durante o dia, ela é o colo mais seguro que existe, é o ombro exausto de sustentar as próprias escolhas, é o alimento que sacia os seus; à noite, ela é um par de seios definidos e de coxas apertadas, ela é a boca cor de carmim e também as mãos a explorar territórios desconhecidos. Durante o dia, ela usurpou a desconfiança para construir a sua sobrevivência e de sua família; à noite, prefere não distinguir os vultos que lhe assombram, porque eles chegam, entram, saem e vão embora com a solenidade da indiferença.
Durante o dia, ela valsa bailes em passos curtos, numa contradança tímida e desajeitada; à noite, o menor de seus movimentos é medido por permissões e concessões. Durante o dia, o trabalho é remunerado com sorrisos banguelas, abraços afetuosos e, sobretudo, com um amor gratuito e imensurável; à noite, o salário é pago em notas de papel e regalias embaladas por malícias. Ela é Jullyana Maga (nome de guerra), de 33 anos; à noite, a mulher exerce o ofício de profissional do sexo, já durante o dia, ela trabalha na profissão mais antiga da humanidade: a de mãe.
O nascimento de Jullyana
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